terça-feira, 20 de outubro de 2009

Metáfora do presente

Caminho à noite na floresta.
Os trovões penetram-me estrondosamente, bloqueando-me os pensamentos. Não há lua nem luar… A noite é pesada e escura…
Caminho descalça na floresta… Desbastada pelos incêndios… O vento não agita os ramos, assobiando-me verde esperança. Não agita os ramos, pois não há árvores, nem ninhos… Apenas cinzas…
Não se ouve o uivar dos lobos, nem o canto das corujas… Não há vida…
Continuo a caminhar descalça na floresta, e os meus pés sangram…
A chuva mistura-me as lágrimas… A cada passo os meus pés sangram mais…. A cada passo o nevoeiro adensa-se…
Eu sei porque caminho, só não percebo a tempestade…
Finalmente, a encruzilhada…
Os pés não aguentam o corpo, e caio de joelhos…
Mais um trovão, mais chuva, mais nevoeiro…
Ajoelhada na encruzilhada, limpo as lágrimas, mas não limpo a visão…
A noite escura não pode esperar… Não mais…
A floresta espera a minha escolha….
De joelhos em frente à encruzilhada, tenho mesmo que avançar…
Vou pelo caminho que quero, ou, pelo que sei que tenho que ir?

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

O meu perfil


Há algum tempo atrás, fui convidada a participar num programa de uma rádio local. O objectivo era falar sobre o livro que estou a escrever, “História de uma treinadora que é mulher”. Inevitavelmente, a jornalista acabou por fazer referência a este Blog. Entre muitas perguntas, houve uma em particular, que me chamou a atenção e me surpreendeu…Começou por citar o que eu havia escrito no meu perfil, e desafiou-me a explicar…
Mas não só a jornalista, em conversas, várias pessoas acharam curiosa a descrição, e me perguntavam, onde queria chegar com aquilo…
Pois então…
O Blog chama-se atrás de um nome, e a ideia é mostrar a mulher que vive por trás da treinadora, que no fundo, é exactamente a mesma pessoa, os intransigentes olhos do outros, é que nem se dão ao trabalho de a procurar.
A verdade, é que penso que é esta a imagem que crio nas pessoas. Não penso, crio mesmo.
Arrogante, antipática, com a mania, nariz empinado e não desço do meu pedestal...
Muitos foram os que afirmaram tal perfil antecipado, e inúmeras foram as vezes que ouvi a frase: «não era mesmo esta a imagem que tinha de ti» Explicada a forma como termina a caracterização do meu perfil: «Pelo menos é o que diz quem não me conhece»
Mas para mim, é importante ir mais além…
Porque criei essa imagem, se para a maioria das pessoas, ela não corresponde à realidade?
Claro que tenho que por a hipótese de criar mesmo esta afiguração, tantas são as alusões a este perfil, para mim desconhecido.
Reflecti…
Encontrei duas justificações, que podem servir separadas, embora para mim, elas coexistam.
Iniciei a minha carreira como treinadora aos 19 anos. Talvez inconscientemente, tenha criado uma imagem rígida e severa, para me proteger da minha tenra idade.
Não é, e não foi fácil, criar uma imagem de credibilidade para pais e atletas, com apenas 19 anos… Talvez me tenha refugiado na imagem de arrogante e prepotente, para me defender. Mas se essa imagem existia nessa altura, ela era mesmo, como diz o velho ditado, “para inglês ver”, pois acho que nunca fui tão humilde e carente de ajuda, como naqueles anos iniciais… Nunca ouvi tanto… Nunca tanto procurei ouvir e aprender…
Mas hoje, não sinto necessidade de me proteger. Porque continuarei a manter essa imagem?
Talvez ela se tivesse enraizado em mim e tornado numa imagem de marca… Uma imagem, que não vende definitivamente para as bancadas, mas continua a vender no balneário, curiosamente, junto das que mais sabem que essa imagem é uma mentira… Paradoxo este, que não consigo explicar… apenas sei que funciona.
Depois entra a personalidade própria…
A maioria a nossa sociedade, continua a confundir frontalidade, com arrogância e prepotência…
Não sorrio quando não me apetece sorrir, nem a quem não me apetece sorrir… Não falo com quem não me apetece falar… Não sou simpática só porque deveria ser, não gosto de toda a gente, muito menos à primeira vista… E aqui a lista seria extensa…
Se esta última parte, à qual chamo “personalidade própria”, faz de mim alguém arrogante… então a descrição do meu perfil não é uma brincadeira, eu sou mesmo tudo isso. E sendo assim já não me incomoda…
Sabem a melhor parte? Se assim for, orgulho-me em ser tudo isso que crio à primeira vista, e tudo farei para que nunca mude.
Talvez não seja eu que estou errada, talvez seja a vossa tabela de valores… Talvez sejam os vossos olhos… E aí nada posso fazer… Esse é o vosso trabalho…
A vossa introspecção!

domingo, 13 de setembro de 2009

Tabatha


Sábado…
Hoje acordei cedo…
Deitada no preto sofá da sala, resta-me um zapping pela televisão, na esperança que algo de interessante me ocupasse, até à hora dos normais mortais acordarem, para mais uma vírgula da vida…
Paro num dos meus canais de eleição, a Fox Life, embora a esta hora, até mesmo aqui, seja difícil encontrar algo de interessante que me distraia. Não está a passar nenhuma das minhas séries predilectas.
«Ao estilo de Tabatha», é o que a programação me reserva. Uma famosa cabeleireira americana tenta dar um rumo sustentável, a salões decadentes que esbarram a falência.
Não me interesso por remodelações em salões de cabeleireiro, mas mesmo assim, colei no ecrã. Tabatha, não pretendia mudar só o aspecto físico dos salões, ou aperfeiçoar as técnicas utilizadas pelos funcionários… queria mudar também a mentalidade de todo o clã do salão, acomodados aos erros e agruras do dia-a-dia. Ela queria vender-lhes vida, vender-lhes uma alma.
Gostei!!!
Gostei ainda mais, por se tratar de uma mulher, que a sociedade define como arrogante, prepotente, inconveniente… Todos lhe reconheciam o talento, mas muito poucos, o modo como se exprimia.
A mim, pareceu-me uma mulher sincera, directa, que não utiliza eufemismos para uma verdade dolorosa, mas verdade.
É de facto algo a que poucos estão habituados, e menos ainda, os que estão aptos a enfrentar tal personalidade.
A meio do programa, Tabatha define uma das funcionárias: sem um sorriso na cara, enumerou todos os seus pontos fracos (concordei com tudo), a funcionária, essa não aguentou, e correu para outro compartimento do salão aos prantos. Atrás dela seguiu uma vasta comitiva de consolo.
Todos demonstravam pena da funcionária, repetindo incessantemente: «coitadinha», toda a equipa a consolava, como se uma catástrofe tivesse abalado todo o seu mundo e posto em causa toda a sua vida. Como se ela, não tivesse apenas ouvido um rol de verdades, que alguém já deveria ter feito, em prol do desenvolvimento sustentável da empresa.
Ao mesmo tempo, recriminavam a cruel, a arrogante e fria Tabatha.
O monstro que tinha dito a verdade, no seu estado mais puro.
Fez-me pensar…
Decididamente a nossa sociedade não está preparada para ouvir as verdades dolorosas, muito menos de um modo tão frontal e directo. Catalogando de imediato os emissores, de arrogantes e prepotentes, afastando-os… preferindo a seu lado, as mentes subjugadas que os acalentam com omissões.
Esta é uma sociedade, que prefere sempre tomar partido, da parte frágil que chora, mesmo que a razão não acompanhe as lágrimas. A sociedade dos pobres coitados… Que protege a fragilidade da personalidade e a inércia.
Mais chocante ainda, é a não aceitação da personalidade diferente, da verdadeira, da razão… sendo logo rotulada de adjectivos poucos dignificantes e construtivos.
Permitimos que os fracos chorem, no lugar de enfrentar a verdade e dar passos em frente, e crucificamos o emissor da pura mensagem, só porque não coloca um sorriso nos lábios, não usa um discurso político, ou lhe conta essa mesma verdade chorando também, e fazendo-lhe crer, que também para ela aquela conversa está a ser dura.
Sim, há pessoas arrogantes…
Mas parem e pensem, no que é realmente a arrogância. Porque, a barreira com a frontalidade é ténue, mas existe…
Tabatha, como te compreendo...

domingo, 9 de agosto de 2009

Rituais

1 de Agosto de 2009.
Daqui a rigorosamente um mês, começará a minha época. A força já me invade, os objectivos já me aspergem na cabeça, que gira em volta de esquemas tácticos.
Sinto saudades do som da bola a bater, de caminhar de um lado para o outro do campo, incentivando, corrigindo, muitas vezes bramindo. Sinto saudades do jogo! Sinto essencialmente saudades do jogo… É lá que mais me sinto florescente, vibrante… Amo o treino, mas é no jogo que me sinto viva… Sinto-me uma criança num parque de diversões, deliciada com cada momento, degustando cada passo… A palestra no balneário… O cumprimento dos árbitros, ser chamada à mesa para dar o 5… Tudo é fascinante… E o fascínio é o mesmo todas as semanas… As últimas palavras no banco… O grito… O cumprimento das atletas que vão entrar em campo, e depois uma a uma das que ficam no banco, no fim a minha equipa técnica… São os mesmos rituais todas as semanas, mas não perdem o charme, o significado… Depois começa o inesperado… O árbitro inicia o jogo, e a partir daí…tudo se pode esperar… Sinto-me crescer… Vibrar… Sofrer… Às vezes não me reconheço, porque quando a paixão pelo jogo atinge determinados limites, aparece uma mulher, que eu mesma tenho dificuldades em reconhecer… Como amo todos estes rituais… Como amo estar em campo… os descontos de tempo, as costas viradas ao jogo, os monólogos com o céu ou as paredes, as substituições, os berros para dentro de campo (sim, berros, pois a minha vozinha de mulher, não me ajuda na comunicação para dentro do campo) … Escrevo e sinto um arrepio, como se estivesse agora em campo, sempre de pé, de marcador na mão a gesticular… Hum… As conversas com os árbitros… que saudades das nossas conversas ao longo do jogo… Não são na sua maioria amistosas, não falamos de bons restaurantes… mas eu adoro-as. …
Mas estes rituais começam muito antes, começam ainda em casa…
Gosto de estar sozinha antes dos jogos, gosto de ouvir música…
Em seguida os preparativos, é preciso trajar-me a rigor. Sempre igual. Fato de treino do clube, pólo do clube, cabelo sempre preso.
É aqui que entra a curiosidade de muitos. Várias vezes tenho sido questionada do porquê de ser a única a trajar sempre com fato completo, e o porquê do cabelo sempre preso, imagem de marca de vários anos.
Pois bem, esta é uma explicação, que em nada vem de encontro com a igualdade que tanto venho defendendo. Embora, enorme seja o meu orgulho em ser mulher, é precisamente isso que pretendo disfarçar em campo. Detestaria que alguém no final do jogo, comentasse o modelo das minhas calças, ou o corte do meu cabelo… Ali não sou mulher… Sou treinadora… E os treinadores são como os anjos: não têm sexo.

domingo, 2 de agosto de 2009

Mourinha

Muitos são ao longo dos anos, os que me têm perguntado, a origem da alcunha Mourinha, com que me tratam as minhas atletas e alguns adeptos. É este o nome que se houve gritar nas apresentações, que circula nos fóruns, nas bancadas, em conversas… e há ainda a famigerada música, interpretada pela equipa, a cada título conquistado…
Pois bem… Podia começar, ao jeito dos contos infantis, com um: “Foi há muito, muito tempo…”
Mourinha, deriva como sugere, da analogia a esse ícone de treinador: José Mourinho.
Era ainda o Mourinho treinador do FC Porto, bem nos seus inícios, quando a comunicação social e muitos adeptos, começam a falar de um termo, hoje muito vulgar, o treino psicológico.
Os média deliciavam-se e deliciavam-nos, com os famosos “Mind Games”, do carismático treinador…
Bem longe do mediatismo atribuído ao Mourinho, a equipa identificava alguns dos seus jogos psicológicos, utilizados por mim. Tudo isto, claro, à escala de uma treinadora menos experiente, de um campeonato menos exigente, mas sobretudo de um mundo muito mais esquecido, e menos mediático.
No balneário, começavam a surgir então, as comparações com o Mourinho. Dado que as preocupações, ao nível do treino psicológico eram tão vagas, era fácil, alguém fazer-se notar.
A alcunha carimba-se com um episódio, que é para mim um misto, de boas e dolorosas recordações.
No fim-de-semana anterior à minha primeira final distrital, disputávamos um jogo, que só servia para cumprir calendário, pois já estavam encontradas as duas finalistas. Curiosamente, este jogo, opunha as mesmas equipas, que no fim-de-semana seguinte, disputariam o título distrital.
Para esse jogo, o presidente do Concelho de Arbitragem Distrital (CAD) de Braga, nomeou um árbitro para apitar o encontro. Tudo normal, não fosse o presidente do CAD, o árbitro e o treinador da equipa adversária, a mesma pessoa!!!
Resultado: o jogo não terminou e eu havia sido expulsa…
Imagino que agora todos esperavam ler as ocorrências daquela partida, talvez isso fosse a parte mais interessante deste texto. Lamento, mas não vou contar… Não sei quem vai ler este texto. Pode ser lido por crianças, ou mais tarde, pelos meus próprios filhos… Acontece, que não encontro adjectivos para contar esta história, que possam ser lidos por crianças, ou mentes mais conservadoras e pudicas.
Desse jogo guardo tudo…
Lembro-me que chorei imenso em casa, pois aos 21 anos tinha alcançado a minha primeira final Distrital, e não a iria ver do banco…
Mesmo consciente da armadilha preparada, culpei-me por essa ausência. Eu e a minha ingenuidade, própria de início de carreira, permitiram que a verdade desportiva não imperasse, e aqui a patinha, ia mesmo ver a final da bancada.
Foi a minha primeira grande lição!
Chegou o dia da ansiada final.
Apenas me foi permitido dar a palestra no balneário… Lembro-me tão bem dos disparates que lhes disse, para as tranquilizar… Foi a minha primeira grande palestra, e para mim, das melhores que já fiz…
Dias, ou semanas antes, uma polémica arbitragem que prejudicou o FC Porto, levou o Mourinho a proferir a seguinte frase: «Em condições normais, seríamos campeões, em condições anormais, também seremos campeões.»
Foi com essa frase, que concluí a minha palestra…
Em uníssono, a equipa levanta-se, e abraçando-me, ouviu-se: “Mourinha”
Foi assim que tudo começou…
Depois veio a música, com que as minhas compositoras improvisadas, me presentearam: “Lá, lá, lá… Mourinha… Lá, lá, lá… Guerreira… Lá, lá, lá…. Amiga…. Eterna e verdadeira…” Esta é a ode, com que me presenteiam a cada conquista, a cada título…
O nome passou do balneário para as bancadas, das bancadas para os sites e fóruns… e assim nasceu a Mourinha.
Fenómeno que vai desaparecendo, vou deixando cada vez mais de ser a Mourinha, para me tornar a Patrícia Atilano. Agrada-me! Embora esta alcunha me tenha acompanhado, em muitos dos dias mais felizes da minha vida.

Desconjugação

As pessoas...
O tempo precisa de fios condutores,
De mitos
De heróis
De estrelas
E neles rabisca uma vida.
Uma mão arrasta-me para o culto,
Ameaçadora!
A outra tira-me a amordaça
E lança-me na nascente de um rio.
O palácio do dogma está a arder...
Eu,
Aqueço-me nas suas brasas!
Sou jovem demais para ser velha.

sábado, 25 de julho de 2009

Vicissitudes

Às vezes paro para pensar no inicio da minha carreira…
Nunca tinha jogado basket… Tinha praticado voleibol, e este novo desafio tinha tanto de novidade como de assustador.
Todos achavam graça à dedicação da menina, que pouco ou nada sabia de basquetebol, mas, era contagiante a determinação com que buscava a aprendizagem, com que diligenciava a essência deste mundo desconhecido, desta coisa do basquetebol. Poucos questionavam o meu trabalho e desempenho, enfatizando sempre a vontade de evoluir e aprender. Muitos eram os que me amavam, poucos os que me odiavam…
10 anos passaram…
Hoje, sinto o equilíbrio como nota dominante, entre os que me amam e os que me odeiam…
Depois de muita aprendizagem, muitos cursos, clinic’s, acções de formação, erros traduzidos em experiência…
Não encontro comparação com a miúda vinda do voleibol. Sou hoje, uma treinadora muito mais completa. Os títulos apareceram, para solidificar e comprovar essa evolução. No entanto, apareceram as críticas, e muitas… Muitos são agora os que põem em causa o meu trabalho, as minhas opções… Muitas vezes, os mesmos que admiravam a ingénua menina.
Sinto que está para breve, o momento em que os que me odeiam suplantarão os que me amam. Aí, sorrirei!!! Nessa altura, serei uma figura de relevo no desporto nacional.

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Carta para o céu

Tinha 16 anos... A fatídica notícia chagava... A morte da minha avó. A morte do meu ídolo. A minha ciganinha, como lhe chamava, depois de resistir heroicamente 10 anos a uma hepatite b, sucumbia numa cama de hospital... E eu recebi a notícia em primeira mão... Eu tratei de tudo no hospital, iluminada por uma maturidade que desconhecia em mim... Ela não queria uma capela mortuária, sempre mo disse... queria ser velada em sua casa. Assim foi... dei instruções para que assim fosse. Tinha apenas 16 anos... Mas até o velório da minha ciganinha foi liderado por mim... Já em casa, e com os adultos a assumirem o comando do funeral, chegou a altura de escrever no cartão do meu ramo de flores uma mensagem, aqui vos deixo a que escrevi. Este é o meu blog, e embora sendo triste, não podia passar sem deixar uma homenagem ao meu maior ídolo, a minha avó e madrinha, que vive dentro de mim, embora a sua voz e o seu rosto, se diluam na minha traiçoeira memória...

Carta para o céu

Avó:
Lembro-me bem dos teus olhos,
Sempre tão doces e meigos,
Postos em mim.
Abrigada no teu regaço
Fixava teus lábios
Que começavam:
«Era uma vez...»
Mais uma história,
Mais um Improviso.
Nunca foste à escola!
Onde apredeste essas histórias?
Onde aprendeste a inventá-las?
Agora choro-te
E lembro-te,
Adormecida na fúnebre sala de visitas.
Esperava-te acordar,
Para me contares mais uma história...
Mas não acordaste.
Não mais ouvi teus lábios:
«Era uma vez uma princesa,
De um reino Longínquo.»
Choro lágrimas de silêncio.
Até breve.

Da tua neta

Dissecação

Paredes do meu quarto,
Se vós falásseis...
Em vós tatuei
Os medos qie me dilaceram.
Revesti-vos com as minhas fúrias,
As minhas paixões...
Todos os dias de sol
Que nunca raiaram,
Cada gota de orvalho
Em que não acreditei...
Paredes do meu quarto,
se vós falasseis,
Diríeis que também choro.

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Cabra adversária

Parei para olhar o meu embrionário blog… “Atrás de um nome”… Quando o criei, pensei em publicar algumas das coisas que rabisco, e dar a conhecer a mulher por trás da treinadora… E olhando para o meu embrionário blog, os meus olhos centraram-se nas duas últimas publicações… Uma declaração de amor lamechas e um poema!!!
Não é que a arrogante treinadora também ama? Como é possível, aquela prepotente ter alguém com quem partilhar amor? Escrever poesia??!! Isso demonstra sensibilidade, nada que aquela presunçosa demonstre…
Pois é caros leitores, principalmente, caros leitores adeptos, a mulher que por vezes insultam da bancada, tem família, amigos e acima de tudo, sentimentos… E por muito que a carreira avance, e a experiência nos impermeabilize ao que ouvimos da bancada, tudo vai para casa connosco. Lembrem-se que no meio de vós, estão familiares e amigos da “ pi…pi…pi…”, a quem muito dói ouvir tais despautérios… Lembrem-se, que por baixo do equipamento do clube, e da imagem implacável da treinadora, se esconde uma mulher! Que ouve, que sente e que muitas vezes sofre com os vossos agravos. A vossa liberdade verbal, não vos dá o direito de entrar nas vidas dos outros… Ela não se volta para a bancada e vos retribui os agravos, pouco elogiosos.
Como treinadora da equipa adversária, a minha função é vencer-vos! Pagam-me para isso! Eu gosto disso! Trabalho para isso! É o meu dever, função e obrigação.
Serei por isso, tudo aquilo o que me insultam?
E se um dia os vossos filhos, maridos, esposas… forem treinadores?! E vocês na bancada, a assistir ao jogo e ouvirem direccionado a eles, o que muitas vezes direccionastes a mim?!
É a perspectiva que tudo muda.
Concentrem-se na magia do apoio à vossa equipa, no incentivo, na beleza do desporto, na sincronia dos movimentos e o auge dos cestos… e deixem a cabra do outro lado fazer o trabalho dela!

terça-feira, 14 de julho de 2009

Elocução

Moro dentro dos meus versos,
Por cobardia.
Temo não ter olhos nem mãos de poeta,
Temo não ser o retrato fiel
De uma virgula.
As minhas letras
São o meu rosto,
E só respiro o que o lápis
Me permite.

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Lamechice

Hoje varri da ponta do meu lápis, os temas sérios e pesados… Hoje acordei em Julho de 2009, com um sol ribombante de energia… E na varanda do meu T2, emergiu em mim, uma vontade imensurável de escrever sobre algo radicalmente lamechas: o amor! Mas, não o amor genérico, abstracto, não o idealista, imaginoso, não o sofredor, mártir… Emergiu em mim a vontade de vos escrever; sobre o meu amor. Sobre o meu amor humano, feito com a carne comum dos mortais e os ossos vulgares dos que vivem e morrem…
Mas, à medida que rabisco letras e apinho esta folha, a palavra lamechas confunde-me … Não quero escrever sobre algo lamechas. Não eu!!! Eu não sou lamechas.
Decidi então escrever-vos, sobre algo que norteia o meu acordar e mais tarde me apazigua e acalenta no leito: o meu amor.
Todos procuramos o idealista, o imaginoso… Incessantemente… Todos os dias… É este sentimento que nos levanta da cama, nos maquilha, nos escolhe a roupa, que nos faz sair para a rua e pensar que talvez hoje encontremos a quem nos dar e que nos faça receber…
Pois, eu também amo….
A minha busca levou-me a ideologia, e trouxe-me a carne.
Amo, mas anonimamente, para que ninguém perceba… Não quero ser incluída no grupo de mulheres lamechas, cujo tesouro mais precioso dos seus dias, é o amor de um homem. Não eu!!! Não a independente e austera Patrícia Atilano.
Mas, o certo é que ele existe… Discreto na bancada a cada jogo, para que ninguém perceba, que a soberana treinadora tem um amor… Mas, ele está sempre lá… O jogo termina, e o homem anónimo sai da bancada, sem esperar pela amada e a acompanhar a casa… Não!!! Porque, aquela não lhe pertence! Aquela é do clube, da equipa, dos adeptos… A sua chegará a casa, transluzindo alegria pela vitória… e não se cala, relatando energicamente os feitos do jogo… Ou então, entra em casa de braços em baixo, com a pesada dor da derrota… e novamente não se cala, procurando o que correu mal… E ele, sempre lá, para a ouvir e acalentar… Às vezes, ela não quer falar sobre o jogo, e aninha-se a um canto, introspectiva, sozinha… Ele respeita-lhe o silêncio…
Este é o verdadeiro amor: presente, altruísta, talvez um pouco lamechas…
Depois de 7 anos juntos, eis que a vida coloca este sentimento de camaradagem à prova, e quebra este laço, que aos olhos dos outros parecia perfeito e inquebrável…
O tempo não parou… E na orla do movimento dos ponteiros do relógio, a distância junta-nos novamente para nos contar uma história… Disse-nos a distância que afinal o nosso amor é lamechas, porque é intemporal, porque é dos livros de histórias dos contos de fadas…
E acreditem, não há nada mais mágico, do que nos voltarmos a apaixonar, por quem amamos durante 7 anos.
É a primeira vez, que falo publicamente sobre o meu amor. Mas, aqui na varanda do meu T2, descobri que sou lamechas, que o que sinto é lamechas, transportando-me para um grupo ao qual temia pertencer, mas, estou feliz que assim seja.
A treinadora, a mulher, a esposa… Todas te pertencem, com uma devoção mitológica, porque és o Zeus do meu dia, a Fénix das minhas manhãs… O Norte da minha bússola… E alguém que me faz dizer publicamente, este rol de coisas incrivelmente lamechas, só pode ser o homem da minha vida.
A partir de agora, podem chamar-me lamechas, que importa…. Eu tenho o que muitos procuram… Tenho-te a ti… E pela primeira vez publicamente: Amo-te.

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Esta é a história de uma treinadora, que com 28 anos já atingiu alguns sucessos, mas que sai de 2 épocas onde a glória não imperou. Mas, esta é sobretudo a história de uma treinadora, que no mundo do desporto, tem um óbice curricular, esta é a história de uma treinadora que é mulher.
O que me leva a parar para escrever sobre a condição de ser mulher? Porque não para rabiscar um novo modelo defensivo, ou uma série de esquemas tácticos ofensivos, como todos os treinadores? Porque não escrevo documentos com campos de basquetebol, com defesas e atacantes, que possam ajudar colegas nas suas equipas, aplicando-os e imortalizando, aquilo em que acredito enquanto treinadora?
A resposta é simples. Porque por muito que evolua como treinadora, por muito melhor que me encontre a cada época, eu continuo a ser mulher. Essa é a primeira imagem que crio, e logo a maior barreira!

In: "História de uma treinadora que é mulher."

Onde estais, que não vos reconheço

Mais uma época que teima arrastar-se numa orla de jornadas, que para nós, apenas servem porque estão definidas no calendário.
Já longe dos objectivos de competição, tão longe que nem nos lembramos, tão longe que nem parecem ter sido traçados para nós. Só nos resta o épico lema de jogar pela honra, pela nossa honra e do pesado emblema que carregamos. É aqui que me perco… Como é que uma equipa tão habituada a vencer, talhada para os momentos de glória… Uma equipa que já foi o espelho de exemplo, a cobiça de todos os que acreditam que o todo se sobrepõe às partes… O sonho de muitas atletas e ambição de inúmeros treinadores… Como é que uma equipa, que sempre foi a simbiose perfeita entre a qualidade e a psicopedagogia inquebrável, tendo como consequência os tão ambicionados títulos… Uma equipa que esteve no palco da ribalta, nos flashes dos fotógrafos, nos gravadores dos jornalistas, na mira do sucesso… Como é que esta equipa não consegue, longe dos objectivos desportivos, lutar em campo pelo que tem de mais nobre, de mais seu: a sua honra!

In: "História de uma treinadora que é mulher" - Talvez publicado um dia...

Selva fálica...

Mais uma vez, os meus dedos debruam as palavras: Discriminação sexual. Escrevo, não só porque me fere de morte, mas essencialmente porque existe. Incontornavelmente, a cada esquina, os seus dedos provocatórios emergem... Mordazes!!!Ser mulher no mundo do desporto, deixa muitas vezes de ser um desafio, intelectualmente estimulante... Hoje parece-me um acto de sobrevivência! Uma selva felina e uma pobre lebre...Jantar de natal. A selva reunida em amena confraternização. Lá no meio, a lebre! Na apresentação, todos os felinos tinham nome, profissão, cargo... " Ali, a Patrícia, bem, a nossa menina..." Não! Não sou um adorno reluzente na tabula redonda!Talvez não tenha um carácter propositado... Talvez não seja a sua intenção... Mas este sexismo existe a cada movimento.Não sinto a mesma atenção pelas minhas ideias e projectos, que muitas das barbaridades dos felinos.Pobre lebre, deixem-na correr... Podíamos matá-la e comê-la. Mas, não temos fome e a sua corrida desnorteada não incomoda ninguém. Deixemo-la brincar. Tonta lebre, tão jovem e crédula, acha que um dia será um leão!!!

A cadeira atrás do banco...

Era uma cadeira branca, de plástico, totalmente sem graça...O tempo tinha passado para ela de uma forma incontornável. Uma das pernas estava ligeiramente quebrada... não se sabia quantas pessoa suportaria ela mais no seu colo, na sua invalidez. Parecia Cansada... Perguntei num tom de submissão, se não havia uma daquelas almofadadas, onde se sentavam os treinadores... Mas essas não eram para mim!Colocada atrás do banco, do imponente banco principal, era quase imperceptível, ofuscada pelo brilho imperial do seu rival, onde se sentavam as estrelas, na verdade, ninguém repararia nela...Por isso a haviam destinado para mim, porque éramos uma simbiose perfeita do que pretendiam. A sua insignificância condizia com a minha condição. Juntas passaríamos o jogo e ninguém repararia em nós.Sinto, sem saber explicar, que não nasci para a plateia, muito menos para a débil cadeira, escondida atrás do banco principal. O meu lugar é no palco! Talvez ainda não esteja preparada para ele, talvez não passe de um sonho de menina, talvez não seja ainda o momento... Mas na humilde cadeira não me sentei!Enganam-se os que pensam que isto me enfraquece.No meu último espectáculo com apresentação nacional, eu estava lá, sentada no banco brilhante, no lugar principal. Os homens das patentes, carregados de divisas, caminhavam na minha direcção, e eu estava lá, no grande banco almofadado, com um brilho estrelar. Passaram por mim, indiferentes, dirigiram-se para o meu lado, para a modesta cadeira onde se sentava o meu adjunto, provavelmente pensando, o que faria aquela miúda no banco almofadado, pois onde havia um homem, o comando nunca poderia ser de uma mulher.Sei que um dia deixarei esta plateia anónima, onde não pertenço, e nesse dia, sei que vestirei uma saia, o símbolo da submissão. Não será um gesto provocatório, mas um grito vencedor!!! A saia subirá ao palco e eu irei dentro dela.Em breve não baterei mais palmas, eu e a saia no banco almofadado agradeceremos a presença de todos.

Do banco de uma mulher

14 de Outubro de 2007, Domingo. Hoje decidi que passaria para esta folha de papel os resquícios emocionais de uma treinadora em início de carreira, talvez não sejam resquícios, talvez não os consiga dissecar a esse ponto! Talvez nesta folha de papel fique toda a minha alma.Não sei porque escrevo, não tenho nenhuma linha ideológica, não cuido a linguagem, não construo gramaticalmente as frases... Escrevo simplesmente com as palavras que afluem na minha mente, debruadas com sentimentos não visíveis das bancadas... Escreve a treinadora, mas mais do que isso, escreve quem dentro dela mora.Hoje o dia é primaveril, apesar de Outubro já se arrastar pela metade, contudo, para mim o sol não brilhou...Tenho o semblante carregado e os braços apenas se levantaram para recortar esta folha, ao ritmo do meu desalento.Jogo de juniores em Ponte de Lima! A equipa campeã, no seu segundo jogo, desloca-se a um campo difícil, onde todos pensariam que as locais venderiam cara a derrota.Engano!!!As campeãs em título nem conseguiram vender cara a derrota!!!Resultado avassalador!!! 51 pontos de diferença, com apenas 17 marcados. Por certo deixará marcas...Sinto os dedos virarem-se para mim, ameaçadores.Raramente senti reconhecimento pelo meu trabalho, nem sequer pelo meu esforço. Enganem-se os que pensam que ele não é importante para mim.De repente um título nacional faz-me despontar por entre as brumas, para um palco semi-mediático. Não sei se o reconheceram, mas pelo menos viram que estava lá. Imaginei uma época com diferentes olhares, onde o reconhecimento imperaria. Esta seria uma época em que se notaria que estava lá.Mais uma vez, Engano!!!Em todos os sectores esfumou-se o brilho fulgurante de um passado recente. Nem aqueles que ao meu lado ergueram o ceptro, me tocam ao de leve, com os seus dedos reconfortantes nas minhas costas carregadas. Eles que faziam parte de mim, parte integrante do meu sucesso. Dos poucos de quem sentia um reconhecimento Naif do que fazia. Para eles deixei de fazer parte do sonho, colocando-me num túmulo distante.Apenas a equipa recorda os dias áureos em que fomos importantes, e penso, embora não tenha a certeza, que viverão à sua sombra durante algum tempo, sem se aperceberem que aos intransigentes olhos dos outros, isso nada vale.Por hoje, aqui jaz a minha alma, esperando uma mudança meteorológica.

Encontro

Os raios de sol dilaceram a janela do meu quarto… É manhã!!! Não uma manhã qualquer… É a manhã, do dia porque tanto tenho esperado…A manhã que planei minuciosamente nos últimos meses. Era o dia do encontro! O mais ansiado encontro...
O acordar de hoje não era preguiçoso. Havia em mim uma vontade inexplicável de apressar os preparativos. Mas não, não os aprecei. Queria degusta-los paulatinamente, como preliminares relaxantes para o grande momento.
Levantei-me, lavei os dentes, tomei um banho, o aroma do gel de banho era hoje mais intenso, embora não tivesse mudado a sua marca. Sentia-o percorrer o meu corpo, inundar-me com sua fragrância… O shampoo tornava mais dóceis os meus cabelos… Espalhei creme hidratante pelo corpo, queria a pele suave para o grande momento… Escolhi a roupa. Não podia ser uma roupa qualquer… Não queria que fosse demasiado simples, pois o dia era nobre, mas não podia ofuscar-me atrás das lantejoulas e cores garridas…
O pequeno-almoço era digno da realeza… Não importa que fossem o leite com café e as torradas de sempre… Não importa… Porque hoje estava especial!
Maquilhagem simples, para que o brilho do meu olhar, não fosse fabricado…Não precisava, porque ele transbordava os limites dos meus olhos e percorria todo a meu corpo… Não precisava, porque ele vinha de onde o rímel não chega… Não precisava, porque ele vinha da minha alma…
Um toque de perfume… Ao de leve… Para que não fosse perceptível que o estava a usar… Para que te confundisse o olfacto…
Estava pronta!!!
Dirigi-me à porta…
Era o grande encontro da minha vida… Queria estar perfeita… Voltei atrás, ultimo exame frente ao espalho… Sim, iria impressionar-te!
Era tão importante para mim, que gostasses… Que sentisses o quanto ainda tenho para te dar… Passamos um momento difícil, mas sabemos que nada nos irá separar, que não há força que vença o que nos une…. Que esta união supera todas as pedras no caminho, que salta todas as barreiras… É este sentimento imortalmente feroz que nos reúne de novo.
Quando marcas-te este encontro, senti novamente vida dentro de mim… Secaram-se as lágrimas que embaciavam o meu olhar…
Eu estou pronta para ti…
De novo junto à porta, abri-a sem hesitar… Sabia que lá fora me esperavas para me abraçar... De novo junto à porta, abri-a sem hesitar, e corri para o encontro da minha vida…
Corri para me encontrar comigo.