sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Ser mitológico

(Este texto andava perdido, deve datar de Dezembro de 2009)


As intrigas ferem-me, não me matam!
As injúrias, as blasfémias, as ameaças… Todos me ferem, nenhum me mata!
Houve tempos, em que os vossos punhais pontiagudos, dilaceravam o meu corpo, mas dele, nem uma gota de sangue jorrava… Via os vossos rostos insatisfeitos… Isso dava-me um poder que não consigo descrever. Foi esse poder, que durante muito tempo me fez acreditar, que não era feita da comum carne dos mortais. Quantos mais punhais craváveis no meu corpo, mais o meu poder transbordava nos vossos olhos. Nunca me perdoastes, por não ter as vossas mãos manchadas com o meu sangue. O meu poder subia, irritantemente…
O meu corpo reagia, petulante, o meu rosto tomava feições de arrogância… Nada foi construído por mim. Tudo nasceu da inconformidade dos vossos olhos, da ausência do meu sangue.
Talvez se tivesse sangrado na primeira facada, talvez não sofresse hoje da ira multiplicada, talvez fosse apenas mais uma mulher na linha do destino, ao ritmo do fado.
Hoje, descobri que estou longe de ser um ser mitológico… Vi as primeiras gotas do meu sangue escorrerem no meu corpo… Não brotaram de nenhuma chaga… Começaram por cair dos olhos…
Sentada em casa, recupero das feridas, longe da minha vida.
Sei que se curarão… Sei que voltarei a não sangrar… Em breve estarei de volta só para ver a insatisfação nos vossos olhos…
Feristes-me! Não me matastes!
Protagonismo?! Nunca o procurei. Vós sempre mo trouxestes de bandeja.