domingo, 9 de agosto de 2009

Rituais

1 de Agosto de 2009.
Daqui a rigorosamente um mês, começará a minha época. A força já me invade, os objectivos já me aspergem na cabeça, que gira em volta de esquemas tácticos.
Sinto saudades do som da bola a bater, de caminhar de um lado para o outro do campo, incentivando, corrigindo, muitas vezes bramindo. Sinto saudades do jogo! Sinto essencialmente saudades do jogo… É lá que mais me sinto florescente, vibrante… Amo o treino, mas é no jogo que me sinto viva… Sinto-me uma criança num parque de diversões, deliciada com cada momento, degustando cada passo… A palestra no balneário… O cumprimento dos árbitros, ser chamada à mesa para dar o 5… Tudo é fascinante… E o fascínio é o mesmo todas as semanas… As últimas palavras no banco… O grito… O cumprimento das atletas que vão entrar em campo, e depois uma a uma das que ficam no banco, no fim a minha equipa técnica… São os mesmos rituais todas as semanas, mas não perdem o charme, o significado… Depois começa o inesperado… O árbitro inicia o jogo, e a partir daí…tudo se pode esperar… Sinto-me crescer… Vibrar… Sofrer… Às vezes não me reconheço, porque quando a paixão pelo jogo atinge determinados limites, aparece uma mulher, que eu mesma tenho dificuldades em reconhecer… Como amo todos estes rituais… Como amo estar em campo… os descontos de tempo, as costas viradas ao jogo, os monólogos com o céu ou as paredes, as substituições, os berros para dentro de campo (sim, berros, pois a minha vozinha de mulher, não me ajuda na comunicação para dentro do campo) … Escrevo e sinto um arrepio, como se estivesse agora em campo, sempre de pé, de marcador na mão a gesticular… Hum… As conversas com os árbitros… que saudades das nossas conversas ao longo do jogo… Não são na sua maioria amistosas, não falamos de bons restaurantes… mas eu adoro-as. …
Mas estes rituais começam muito antes, começam ainda em casa…
Gosto de estar sozinha antes dos jogos, gosto de ouvir música…
Em seguida os preparativos, é preciso trajar-me a rigor. Sempre igual. Fato de treino do clube, pólo do clube, cabelo sempre preso.
É aqui que entra a curiosidade de muitos. Várias vezes tenho sido questionada do porquê de ser a única a trajar sempre com fato completo, e o porquê do cabelo sempre preso, imagem de marca de vários anos.
Pois bem, esta é uma explicação, que em nada vem de encontro com a igualdade que tanto venho defendendo. Embora, enorme seja o meu orgulho em ser mulher, é precisamente isso que pretendo disfarçar em campo. Detestaria que alguém no final do jogo, comentasse o modelo das minhas calças, ou o corte do meu cabelo… Ali não sou mulher… Sou treinadora… E os treinadores são como os anjos: não têm sexo.

domingo, 2 de agosto de 2009

Mourinha

Muitos são ao longo dos anos, os que me têm perguntado, a origem da alcunha Mourinha, com que me tratam as minhas atletas e alguns adeptos. É este o nome que se houve gritar nas apresentações, que circula nos fóruns, nas bancadas, em conversas… e há ainda a famigerada música, interpretada pela equipa, a cada título conquistado…
Pois bem… Podia começar, ao jeito dos contos infantis, com um: “Foi há muito, muito tempo…”
Mourinha, deriva como sugere, da analogia a esse ícone de treinador: José Mourinho.
Era ainda o Mourinho treinador do FC Porto, bem nos seus inícios, quando a comunicação social e muitos adeptos, começam a falar de um termo, hoje muito vulgar, o treino psicológico.
Os média deliciavam-se e deliciavam-nos, com os famosos “Mind Games”, do carismático treinador…
Bem longe do mediatismo atribuído ao Mourinho, a equipa identificava alguns dos seus jogos psicológicos, utilizados por mim. Tudo isto, claro, à escala de uma treinadora menos experiente, de um campeonato menos exigente, mas sobretudo de um mundo muito mais esquecido, e menos mediático.
No balneário, começavam a surgir então, as comparações com o Mourinho. Dado que as preocupações, ao nível do treino psicológico eram tão vagas, era fácil, alguém fazer-se notar.
A alcunha carimba-se com um episódio, que é para mim um misto, de boas e dolorosas recordações.
No fim-de-semana anterior à minha primeira final distrital, disputávamos um jogo, que só servia para cumprir calendário, pois já estavam encontradas as duas finalistas. Curiosamente, este jogo, opunha as mesmas equipas, que no fim-de-semana seguinte, disputariam o título distrital.
Para esse jogo, o presidente do Concelho de Arbitragem Distrital (CAD) de Braga, nomeou um árbitro para apitar o encontro. Tudo normal, não fosse o presidente do CAD, o árbitro e o treinador da equipa adversária, a mesma pessoa!!!
Resultado: o jogo não terminou e eu havia sido expulsa…
Imagino que agora todos esperavam ler as ocorrências daquela partida, talvez isso fosse a parte mais interessante deste texto. Lamento, mas não vou contar… Não sei quem vai ler este texto. Pode ser lido por crianças, ou mais tarde, pelos meus próprios filhos… Acontece, que não encontro adjectivos para contar esta história, que possam ser lidos por crianças, ou mentes mais conservadoras e pudicas.
Desse jogo guardo tudo…
Lembro-me que chorei imenso em casa, pois aos 21 anos tinha alcançado a minha primeira final Distrital, e não a iria ver do banco…
Mesmo consciente da armadilha preparada, culpei-me por essa ausência. Eu e a minha ingenuidade, própria de início de carreira, permitiram que a verdade desportiva não imperasse, e aqui a patinha, ia mesmo ver a final da bancada.
Foi a minha primeira grande lição!
Chegou o dia da ansiada final.
Apenas me foi permitido dar a palestra no balneário… Lembro-me tão bem dos disparates que lhes disse, para as tranquilizar… Foi a minha primeira grande palestra, e para mim, das melhores que já fiz…
Dias, ou semanas antes, uma polémica arbitragem que prejudicou o FC Porto, levou o Mourinho a proferir a seguinte frase: «Em condições normais, seríamos campeões, em condições anormais, também seremos campeões.»
Foi com essa frase, que concluí a minha palestra…
Em uníssono, a equipa levanta-se, e abraçando-me, ouviu-se: “Mourinha”
Foi assim que tudo começou…
Depois veio a música, com que as minhas compositoras improvisadas, me presentearam: “Lá, lá, lá… Mourinha… Lá, lá, lá… Guerreira… Lá, lá, lá…. Amiga…. Eterna e verdadeira…” Esta é a ode, com que me presenteiam a cada conquista, a cada título…
O nome passou do balneário para as bancadas, das bancadas para os sites e fóruns… e assim nasceu a Mourinha.
Fenómeno que vai desaparecendo, vou deixando cada vez mais de ser a Mourinha, para me tornar a Patrícia Atilano. Agrada-me! Embora esta alcunha me tenha acompanhado, em muitos dos dias mais felizes da minha vida.

Desconjugação

As pessoas...
O tempo precisa de fios condutores,
De mitos
De heróis
De estrelas
E neles rabisca uma vida.
Uma mão arrasta-me para o culto,
Ameaçadora!
A outra tira-me a amordaça
E lança-me na nascente de um rio.
O palácio do dogma está a arder...
Eu,
Aqueço-me nas suas brasas!
Sou jovem demais para ser velha.